O novo adiamento da assinatura do acordo entre Mercosul e Uni o Europeia n o decorre de dúvidas técnicas, falhas jurídicas ou lacunas regulatórias. O tratado está pronto. O que falta é decis o política. O impasse exp e sem disfarces a dificuldade europeia de conciliar retórica liberal, ambi o geopolítica e custos políticos domésticos.
O jogo interno na Uni o Europeia é conhecido, mas nem por isso menos revelador. Um punhado de países, liderados pela Fran a e agora refor ados pela hesita o italiana, conseguiu transformar interesses setoriais em veto de fato política comercial de um bloco de 450 milh es de consumidores. Basta uma minoria de bloqueio, ancorada sobretudo no lobby agrícola, para paralisar um acordo negociado ao longo de mais de duas décadas. Trata-se menos de prud ncia do que de captura política.
A agricultura funciona como o álibi perfeito. Invocam-se padr es ambientais, seguran a alimentar e defesa do "modo de vida rural", enquanto se ignora que o impacto econ mico do acordo é limitado, gradual e cercado de salvaguardas inéditas. O setor agrícola europeu é um dos mais protegidos e subsidiados do mundo. Ainda assim, apresenta-se como vítima existencial de um tratado que abriria apenas fra es controladas do mercado. É protecionismo antigo vestido com linguagem nova um caso exemplar de hipocrisia regulatória.
O paradoxo é evidente. A Europa cobra do resto do mundo previsibilidade, abertura e respeito a regras, mas recua quando confrontada com concorr ncia onde é menos competitiva. Defende o multilateralismo, mas aceita que interesses nacionais estreitos sabotem decis es estratégicas do bloco. Proclama lideran a climática, mas transforma exig ncias ambientais em barreiras comerciais oportunistas. O resultado é um discurso nobre que n o se sustenta na prática.
Esse impasse ocorre no pior momento possível. O sistema internacional atravessa uma fase de fragmenta o, unilateralismo e uso explícito do comércio como instrumento de coer o. Os Estados Unidos flertam com tarifas e acordos transacionais; a China avan a agressivamente em mercados, investimentos e cadeias produtivas. A própria Europa admite estar "ensanduichada" entre Washington e Pequim. Ainda assim, quando surge a chance de firmar uma parceria estratégica com democracias complementares, opta pela paralisia.
O custo dessa hesita o é maior do que o risco político de avan ar. O acordo com o Mercosul n o é apenas comercial. É um instrumento de diversifica o geoecon mica, seguran a de suprimentos, atra o de investimentos e afirma o de relev ncia global. A procrastina o da Europa envia ao mundo um sinal de indecis o e aos seus parceiros, uma mensagem de imprevisibilidade.
Para o Mercosul, o contraste é eloquente. Um bloco historicamente fechado hoje busca abertura, regras e integra o. O Brasil, em particular, v no acordo uma forma de reduzir depend ncias excessivas, equilibrar sua inser o internacional e atrair investimentos produtivos de longo prazo. Paci ncia estratégica existe mas n o é infinita. Quanto mais a Europa hesita, mais incentiva seus parceiros a buscar alternativas, nem sempre alinhadas a seus valores ou interesses.
Janeiro será um teste de credibilidade. A assinatura pode destravar o processo e reafirmar a capacidade europeia de agir. Novos adiamentos, judicializa o excessiva ou esvaziamento político transformariam o tratado em um acordo zumbi: formalmente existente, mas estrategicamente irrelevante. Em todos os cenários negativos, quem mais perde n o é o Mercosul, mas a própria Uni o Europeia.
Livre comércio n o é caridade nem ingenuidade. É interesse bem compreendido. N o há autonomia estratégica sem disposi o para enfrentar lobbies, nem lideran a global sem coer ncia entre discurso e a o. Se a Europa permitir que o acordo com o Mercosul naufrague por medo político interno, n o poderá culpar o mundo. Terá escolhido, por conta própria, seguir a rota da irrelev ncia.











