Carlos Lacerda, uma das figuras políticas mais fascinantes do Brasil no século XX, deixou um legado revelador em seu "Depoimento" - um testamento político gravado em 1976 e publicado após sua morte, em 1977. Nessa obra, Lacerda faz uma profunda reavalia o de sua própria trajetória, abandonando posi es ideológicas rígidas para oferecer uma vis o crítica e desencantada sobre os rumos do país.
Conhecido por seu combativo jornalismo e atua o política pol mica, Lacerda teve papel decisivo na queda de Getúlio Vargas e Jo o Goulart. No entanto, em seu "Depoimento", ele revela uma nova face, marcada pela autocrítica e pela denúncia das falhas das chamadas "elites brasileiras" - civis, militares, empresariais e partidárias.
Sobre a esquerda, Lacerda reconhece que, apesar de ter visto nela o "risco de um caudilhismo disfar ado de idealismo", ele aprendeu que "o autoritarismo de farda é t o ou mais perigoso do que o de palanque". Ele admite que o populismo trabalhista de Vargas e Goulart buscava mudan as sociais, mas se perdia na demagogia. Ainda assim, Lacerda reconhece o papel legítimo da esquerda na democracia, afirmando que "os comunistas n o me assustavam" e que o que realmente o assustava era "a incompet ncia da elite brasileira em promover justi a social".
Já em rela o direita, Lacerda é ainda mais contundente. Ele afirma que "a direita brasileira nunca teve projeto de país. Teve projeto de poder. E por isso, entregou-se sem pudor aos generais." Rompendo com o regime militar que ajudou a instaurar em 1964, Lacerda critica a ades o da direita civil - empresários, tecnocratas e udenistas - ao autoritarismo, motivada por "medo e conveni ncia".
Lacerda n o poupa figuras ic nicas da direita, como Roberto Campos e Delfim Netto, acusando-os de representar um modelo de desenvolvimento autoritário e excludente. Ele denuncia o conluio entre capital e poder, admitindo seus próprios erros: "Fui implacável com os corruptos quando era oposi o. Mas o poder também me seduziu."
Ao final, Lacerda resume sua vis o: "A esquerda queria mudan as, mas se perdeu na demagogia. A direita queria ordem, mas só conhecia a repress o." Seu "Depoimento" permanece atual, como um alerta contra a polariza o vazia, o autoritarismo eficiente e a aus ncia de compromisso com o povo brasileiro.











